segunda-feira, março 13, 2006

Um pedacinho de papel rabiscado.

O poeta. Quase ninguém conhecera o poeta, trancado naquele apartamentozinho, com cheiro de café, pão com manteiga, cigarro, muito cigarro, várias caixas de sapato com originais que nunca foram copiados nem chegaram à primeira edição. O poeta, ninguém se lembraria dele. Nem em um dia, nem em duas semanas, nem em três anos.

Em dois anos, o poeta iria morrer de ataque cardíaco. Ele só tinha um gato completamente preto, que escolhera viver junto com o poeta. Chamava-se Meia-Noite, e ronronava quando passava por entre os calcanhares do poeta. Ele tinha os calcanhares gostosos de se esfregar. O poeta não era virgem, mas nunca mais fizera sexo depois que sua agorafobia piorou. Hoje, ele só poeta no seu apartamentinho.

O apartamentinho é alugado e o aluguel é sempre atrasado. Quando chega algum novo síndico cobrar o aluguel do poeta, primeiro ele tromba com os vizinhos que dizem que não se deve implicar com pessoas doentes. E o poeta estava doente. Depois, batia na porta e Meia-Noite - que havia atravessado o parapeito do prédio, e entrado no corredor em frente ao apartmento 132 - miava, em alarme, do mesmo jeito que os vizinhos do poeta haviam feito. O poeta, então, falava baixinho, lá de dentro, desculpa, mas eu não posso pagar com dinheiro, e também não posso sair. Posso lhe pagar com um pedacinho de papel rabiscado?

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