segunda-feira, março 06, 2006

Eu e o Conto.

Este conto é um conto que não é conto porque não conta nada. Ele me chamou, segunda-feira, e pediu pra mim "Me conta", e eu disse "Tá certo, eu te conto." Mas, então, ele me avisou "Mas eu não tenho nenhuma estória, como é que fica, então?" Eu ponderei um pouquinho e disse que ele não precisava se preocupar, que eu podia contar ele sem estória.

O conto acreditou. Depois, eu combinei de nós saírmos para algumas cachacinhas pra poder conhecer o continho e sentir a vibração dele, sentir como é debaixo da unha dele. Pra gente contar qualquer coisa, tem que entender a parte debaixo da unha das coisas. É ali onde todas as dores estão, mas nenhuma delas dói. As dores debaixo da unhas são as piores, porque a gente nunca sente, mas com um esforcinho, dá pra se angustiar com uma dor áspera, que corre pelo indicador, atravessa o antebraço, salta o nosso ombro e arranca nossos olhos desse mundo. As dores de debaixo da unha cegam a gente.

Me encontrei com o conto e ele me disse do que se tratava, e eu ouvi. Depois de alguns minutos de conversa, eu tive que dizer pra ele. Olha, você não é um conto. Sabe por quê? Porque você não conta nada, então não pode ser um conto, e se não és um conto, que posso fazer eu, humilde contador de causos, sem causo pra contar? E ele olhou pra mim, com os olhos quase fechados, morto de triste. Pois é, eu não conto nada, não tenho tê nem porquê. Mas é justamente essa falta de mim mesmo que eu quero mostrar pros outros. Me conta como eu poderia ser, por favor.

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