terça-feira, dezembro 25, 2007

Diamonds and rust

A lembrança guardada. Era uma vez um quarto de dormir no qual havia uma pequena foto de um lago ao crepúsculo. De moldura reatangular simples, marrom escura, sem ornamentos, acima de um criado-mudo postado aos pés da cama, pendurava-se o quadro; quem passasse os olhos pela parede e encontrasse com a pequena imagem no caminho, não notaria nada de estranho.

A lembrança lembrada. Certo dia, entraram no quarto e olharam - de verdade - para a foto, que não mostrava um lago ao crepúsculo, mas algumas árvores de folhas amarelas balançando; aproximaram-se, e viram o começo da orla do lago: azul, com leves ondas criadas pelo vento; ficaram de frente, apoiando as mãos no criado-mudo - sem piscar - observando como, à medida que movia-se a cabeça, poder-se-ia ver, claramente, todo o local da foto, como uma janela.

A lembrança esmorecida pelo tempo e pela morte. Chamaram todos da casa para verem e, contudo, ao chegarem para perscrutar o sortilégio, a mágica havia partido. Sobrara somente uma moldura velha, vazia, sem lago ou crepúsculo ou mesmo uma pequena imagem amarelada que fosse.

domingo, dezembro 09, 2007

Não acreditava em sinestesia. Bem-te-vis batendo-se contra janelas não lhe aguçavam a percepção e não tinha momentos solitários, próximo a janelas, por exemplo: epifanias que transcendescem sua alma para depois das córneas, tímpanos, narinas, papilas e unhas. Nada disso. Não queria saber das maravilhas sensoriais de seu-ninguém e estava muito bem obrigado.

Trabalhava das oito da manhã; almoçava em miúdos, e voltava ao labor, até tocarem as três da tarde: quase sete horas de trabalho, pensou certa vez. Pensava muitas certas vezes; e muitas vezes pensava em suas sete horas de trabalho, e em nada mais, óbvio: não tinha momentos solitários, e seus olhos eram voltados para fora. Para os dedos e as paredes de sua sala, por exemplo. Paredes marrons ou castanhas - cor de olho de mulher, pensava, certas vezes, mas sempre com os pés no chão.

Certz vez, como de costume, pensava. Estava atrasado, e pensava, enquanto andava pulando, observando o relógio. Pensava em como se atrasara. Como pode? Tentou descobrir pensando, e pensou nas paredes da sua sala: cor-de-olho-de-mulher, lhe esperando, sorumbáticas, longas, desacostumadas com o silêncio sombrio, a escuridão maciça; a solidão acre de um local bem-fazejo, onde um homem pode ficar sentado, trabalhando solitário e pensando, certas vezes, no castanho-marrom de seu pequeno santuário de sete horas e um almoço em miúdos.