domingo, dezembro 09, 2007

Não acreditava em sinestesia. Bem-te-vis batendo-se contra janelas não lhe aguçavam a percepção e não tinha momentos solitários, próximo a janelas, por exemplo: epifanias que transcendescem sua alma para depois das córneas, tímpanos, narinas, papilas e unhas. Nada disso. Não queria saber das maravilhas sensoriais de seu-ninguém e estava muito bem obrigado.

Trabalhava das oito da manhã; almoçava em miúdos, e voltava ao labor, até tocarem as três da tarde: quase sete horas de trabalho, pensou certa vez. Pensava muitas certas vezes; e muitas vezes pensava em suas sete horas de trabalho, e em nada mais, óbvio: não tinha momentos solitários, e seus olhos eram voltados para fora. Para os dedos e as paredes de sua sala, por exemplo. Paredes marrons ou castanhas - cor de olho de mulher, pensava, certas vezes, mas sempre com os pés no chão.

Certz vez, como de costume, pensava. Estava atrasado, e pensava, enquanto andava pulando, observando o relógio. Pensava em como se atrasara. Como pode? Tentou descobrir pensando, e pensou nas paredes da sua sala: cor-de-olho-de-mulher, lhe esperando, sorumbáticas, longas, desacostumadas com o silêncio sombrio, a escuridão maciça; a solidão acre de um local bem-fazejo, onde um homem pode ficar sentado, trabalhando solitário e pensando, certas vezes, no castanho-marrom de seu pequeno santuário de sete horas e um almoço em miúdos.

2 comentários:

Felipe disse...

muito, mas muito !

Mirella Adriano disse...

ei, bichim malcriado
tu tá se garantindo que só, ó:

"Paredes marrons ou castanhas - cor de olho de mulher, pensava, certas vezes, mas sempre com os pés no chão."

essa frase aí de cima eu queria que tivesse sido eu.

=)

ô orgúi!