sábado, novembro 05, 2005

Monólgo do te amo.

Não aguentou ouvir as duas últimas palavras. Saiu correndo e deixou a porta entreaberta, balançando ao gosto do sopro noturno, aquele que vem intermitente: só quando algo dá errado. Chega e refresca o pescoço da gente, a nuca, que é a minha parte que sempre fica mais calorenta, principalmente depois da cama. Ela mais do que eu, sempre ficava em cima, sabe-se lá. Sei somente que saiu correndo. Não me deixou terminar de falar.

Eu tinha algo muito importante pra dizer, sabia? Ia mudar o rumo da conversa em cento e oitenta graus: se ao menos ela fosse um pouco mais paciente para abrir os ouvidos e fechar o egoísmo. Ela, que nunca me escuta, que não me devolve os sentimentos. Só sexo, sexo, sexo. E bolachas cream-crackers. Sempre que era na casa dela - morava sozinha - eu tinha que levar um pacote de cream-creakers, senão deus me livre, me engolia: não porque num sei o quê, você num pensa em mim, e num sei o que mais lá, e você sabe como eu gosto de comer com café depois do trepa e mais gritaria nos meus ouvidos. Egoísmo puro, viu? Vou te contar.

E os meus desejos? Talvez ela fosse realmente mais esperta do que eu: sabia o que ia dizer, não teve coragem de ouvir. Preciente ela, as duas palavrinhas iam tirar o direito dela de abusar de mim, fisicamente e nas cream-crackers. Ou talvez fosse covardia mesmo, medo do que deveria vir depois, com toda aquela obrigação, sabe? Tipo vixe, e agora, como é que vai ser? Porque ela só sabe ser puta, tá ligado? Aquela vadia nunca teve um namorado sério, só caso por aí. Cunhã filha da porra: nem deixou eu dizer "te amo."

quarta-feira, outubro 26, 2005

Editorial.

Quando pensou em fazer outro, a idéia não decantou de uma vez: foi caindo, aos pouquíssimos, latente, dissimulada. Fez todos pensarem que ela desaparecera. Mas não. Ela estava lá. Viva, nem um pouco agonizante. Como mulher.

E quando ela apareceu, foram fogos brilhosos, sortilégicos. Explodindo no céu, tornando em água, escapando pelos cantos dos olhos. Descobriu que é possível chorar de soslaio.

Não que dessoubesse antes, mas presenciar - porque presenciara; não vivera: nada de momento epifânico - era outra coisa, embora a mesma; era a coroa, o diabo, a escuridão.