sábado, março 04, 2006

O idealista ferido.

Condoreiro que só ele, vivia dizendo: "Não, mulher, nasci eu foi no tempo errado! Deveriam ter me dado à luz lá quando do Vargas, ou em sessenta e quatro! Aí sim eu prestaria pra alguma coisa! Mas agora, agora, pfft! Nadica de nada. Só merda." Era comunista, o meu marido. Ou socialista, nunca entendi quando ele me explicava, falava de umas estruturas, de um poder escondido, daquelas ideologias, cuspia quando dizia "Globo", mas era eu quem me abaixava pra limpar o cuspo do tapete.

Tinha os amigos dele, de bar, do tempo de faculdade. Eles se chamavam "condoreiros." "Por causa da ave que voa livre lá no alto, mulher! Por causa do condor! Um dia, todos os homens serão condores!" Daí, eu perguntava "E as mulheres, Fernando? Vão limpar o cocô desses bichos voadores?" Mas ele nem ouvia. Ficava discutindo política e futebol, lá no Gadelha. Voltava tarde, mas, sabe, teve uma hora que eu não ficava mais acordada esperando ele voltar. Vá pra merda, Fernando, vou dormir. Desligava o filme e ia me deitar.

Ele sempre ficava me chamando de alienada, sonsa, cega pro poder subjacente. Ora, porra! Foda-se o poder subjacente, Fernando! Eu quero meu marido dentro de casa, sem ficar se roçando nas raparigas daquele Gadelha! Tu pensa que eu não sei, é? Ah, meu filho, pois eu sou muito mais viva do que você e esse seu poder, viu? Eu enxergo as tuas fuzarcas, os teus futricos tudim, não pense que vai fazer gato e sapato dessa aqui não! E dei-lhe um tabefe nas fuças e fui-me embora pra casa da mamãe. Não encontrei ninguém quando cheguei lá.

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