quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Testamento.

Quando eu morrer, não quero que me sejam lembradas as lágrimas. Não quero fotos taciturnas, sisudas penduradas em cima da mesa bege, com um marido de roupas escuras falando como era bom quando tinha ela aqui com a gente pra alegrar a casa, mas agora. Não, não quero isso.

Não quero me juntar aos vermes debaixo da terra, não quero: sou uma parte claustrofóbica, ou ainda pior, quem sabe, se me enterrarem, posso ficar por inteira. Não me enterrem. Queimem-me, joguem as cinzas no mar; não guardem-me num pote dourado sobre aquela mesa bege. Tudo que peço é que me deixem livre, que me unam ao vento mais uma vez, pela última vez, uma única vez. Peço uma única chance para viver o que não vivi quando deveria: meu pedido, caros, é um cumprimento de meu dever que protelei toda minha vida.

Podem pendurar fotos minhas, podem carregá-las nas carteiras, nos colares, podem lembrar-se de mim, mas as fotos tem de ser coloridas, nem que esteja chorando, tem de ser alegres, nem que não esteja sorrindo, tem de ser brilhantes, mesmo que seja ao pôr-do-sol. E lembrem-se de mim, podem lembrar-se das partes ruins, mas não se concentrem nelas: pensem nos momentos bons, nos momentos de brincadeira, é aí que eu vou morar, é pra aí que eu vou agora, pra saudade: a gente não tem saudade do que é ruim, por isso peço que me lembrem com alegria, porque eu preciso da saudade pra entrar no coraçãozinho de cada um de vocês e ficar de olho no espírito de cada um, tomar cuidado pra ele não adoecer. É isso que eu quero. Beijos a todos vocês, amo todos.

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