segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Jogando fora os impressionismos gordos

(Na cozinha, olhando para cima) Tem uma luz aqui em casa que passou muito tempo queimada, sem ninguém com coragem de trocar. Aí trocaram. O negócio é que agora ninguém mais usa ela: fica parecendo outra casa, outro lugar, estranho, até assustador, é a nossa casa, mas não é a nossa casa, sabe?

(No quarto, deitado, olhando pra rede) Os mosaicos da rede são como vários olhos arregalados, assustados, negros e hipnotizados, saídos de um pesadelo para me atormentar o sono, a noite; noite de lua nova, envergonhada, agonizante, tímida, fraca, que definha. Mil olhos me perscrutam.

(No quarto, abrindo o plano: analisando o som, a matéria se contraindo, saindo só do olhar) O som contínuo do ventilador no quarto pequeno é um mantra: fraco, depois se intensifica ... para enfraquecer novamente; os barulhos do prédio se contraindo no frio da madrugada são fantasmagóricos, impossíveis; janelas sendo fechadas, buzinas o ventilador, algum alarme de carro, um burro relincha - não conhece a hora de calar. Alguém vai ao banheiro, o cachorro se espreguiça, a lua se esconde entre as nuvens, o portão se abre, o namorado volta para sua casa. Madrugada adentro, o inevitável ranger dos armadores no suporte velho e sem óleo.

Um comentário:

Felipe disse...

já viu?
tem hora que a gente olha pro vento frio e reconhece-se.

que é hora de andar mais rápido.